Desmonte do Versa
Por Péricles Malheiros | Foto Pedro Rubens | Estúdio Burti HD
A cada reunião para escolher um novo carro de Longa Duração, a equipe técnica de QUATRO RODAS é convocada. No fim de 2011, ao colocarmos o Versa na carta de intenções, o contra-argumento que se ouviu foi: “Carro japonês, sabe como é: nenhuma quebra acontece, a rede é sempre cordial e competente. Corremos o risco de ter um modelo monótono na frota”. Felizmente, logo percebemos o preconceito (no bom sentido) implícito no pensamento e optamos por botar à prova o modelo que, meses mais tarde, levou à formação de filas nas concessionárias. Outros meses e quilômetros se passaram e eis o Versa com um desmonte capaz de derrubar nossas ideias preconcebidas sobre previsibilidade.
Antes que a primeira ferramenta toque o carro, o desmonte prevê um check-up geral. O exame final inclui a rodagem de alguns quilômetros e tem dupla função: fornecer as impressões derradeiras e colocar o motor em temperatura de trabalho. Essa função cabe ao nosso consultor técnico e responsável pelo acompanhamento e desmonte dos carros de Longa Duração, Fabio Fukuda, da oficina Fukuda Motorcenter. O último trajeto ao volante deu a Fukuda importantes pistas do estado clínico do sedã. “Notei ruídos na dianteira e na traseira e, assim como o relato de alguns motoristas que pegaram o carro nos dois últimos meses, percebi uma vibração exagerada nas saídas.Vou dar especial atenção à análise de suspensões, coxins e embreagem”, disse Fukuda.
Na oficina, o sistema de diagnose eletrônica foi plugado na central, mas a varredura não trouxe nenhum registro de erro relevante, liberando o carro para a etapa seguinte, a verificação da pressão de combustível e óleo. Tanto uma como a outra se revelaram dentro das especificações da fábrica: 3,5 bars no sistema de alimentação e, no de lubrificação, de 1 bar em marcha lenta e 2,9 bars a 2 000 rpm. Os três números estão em conformidade, indicando funcionamento perfeito de bombas e dosadores de pressão.
A pressão de compressão dos cilindros – cujo valor mínimo tolerado pela fábrica é de 217,56 psi – também foi averiguada. O número final é o resultado da média de três medições. Respectivamente, os cilindros 1, 2, 3 e 4 ficaram com média de 215,14, 217,56, 215,14 e 212,72 psi. Ou seja, cilindros 1, 3 e 4 reprovados e 2 aprovado “de raspão”. A desmontagem posterior do motor revelou a origem do problema. Os cilindros foram vítimas de um “vazamento” do vizinho do andar de cima, o cabeçote. Os retentores de válvulas não cumpriram bem a função de manter o óleo longe das câmaras de combustão. Dessa forma, o lubrificante escorreu pela haste e se acumulou de uma maneira tão severa nas válvulas que parte dos resíduos se desprendeu e aderiu às zonas de assentamento, impossibilitando a vedação perfeita durante a fase de compressão dos cilindros. “A folga de entrepontas do anel de compressão dos quatro pistões estava dentro dos limites. Ou seja, o vazamento de pressão só ocorria por cima, por falha no assentamento das válvulas”, diz Fukuda. A contaminação da cabeça dos pistões corrobora a conclusão do consultor técnico.
Concentrado nas impressões obtidas no test-drive de despedida, Fukuda partiu para a análise dos coxins. Estavam todos em perfeito estado, sem sinais de ruptura ou ressecamento. A investigação, então, pendeu para a suspensão e embreagem. Na dianteira, três flagrantes: bucha posterior das bandejas rompida, folga na haste dos amortecedores e barra estabilizadora com ligações danificadas. Atrás, mais problemas: o retentor do amortecedor direito deixou o óleo vazar e chegou aos 60000 km com ação comprometida. A análise da embreagem elucidou o caso das vibrações nas arrancadas. “O disco terminou com espessura mínima de 1 mm, ou seja, abaixo dos 3 mm que a Nissan informa como tolerados”, disse Fukuda. Além de encontrar o culpado, a investigação expôs de uma só vez uma fragilidade técnica e outra de atendimento. Nenhum carro da história recente do Longa Duração terminou com o disco de embreagem ao menos perto do limite e, para agravar a situação, 78,2% da quilometragem do Nissan se deu em trechos rodoviários, onde a embreagem praticamente não é utilizada. “Se o índice de uso em perímetro urbano fosse maior, o carro certamente teria o desempenho no teste final comprometido”, afirma Fukuda. Pior: ao fazer a revisão dos 50000 km , aconcessionária Tokio não percebeu a vibração nas saídas, algo facilmente detectável com uma simples volta no quarteirão.
Dentes à mostra
Desmontado, o câmbio apresentou sinais de desgaste. O ronco alto com a primeira marcha acionada, similar ao que é produzido em ré (e destacado por muitos que se revezaram ao volante do sedã), vem, segundo Fukuda, de uma falha de projeto: “Os dentes da engrenagem da primeira estão com sinais de atrito nas faces internas”. O trambulador, componente que transmite para a caixa de câmbio a marcha selecionada pelo motorista com a alavanca, chegou aos 60000 km balançando demasiadamente. Aos 34643 km, a concessionária Itavema alegou ter trocado o trambulador, mas a chapa metálica que posiciona a alavanca estava danificada. “Há a possibilidade de a peça não ter sido substituída, apenas reposicionada”, diz Fukuda. Ao todo, o carro ficou parado 23 dias na Itavema.
Em contraponto ao desempenho ruim na análise de motor, câmbio e suspensão, o Versa saiu elogiado em itens como carroceria, acabamento e sistemas elétrico e de direção. “A forração do assoalho foi retirada e não achamos sinais de poeira ou água. Fiquei positivamente surpreso ao encontrar placas de isopor abaixo do carpete e, entre eles, uma camada de manta”, diz Fukuda. “Barras axiais e terminais de direção estavam sem folgas.”
A cabine espaçosa – especialmente no banco traseiro – sempre rendeu elogios por parte dos 27 usuários do Versa, mas o atendimento da rede foi marcado por episódios inusitados. Além de entregar o carro com o cabo negativo da bateria solto – o que nos fez ficar parados logo após a retirada –, a Kin Penha relutou em entregar o cabo de conexão para iPod. Na revisão dos 30000 km, desobedecendo o plano de manutenção da Nissan, a Sinal não fez a troca do filtro de combustível. Já o de ar teve a substituição negligenciada pela Kin Guarulhos na revisão de 40 000 km. Um outro filtro, de cabine, gerou polêmica. O componente original foi marcado assim que recebemos o carro, assim como diversas outras partes do carro. Após a revisão dos 20 000 km, feita na Fuji, descobrimos que a peça havia sumido. Só depois de muita conversa, a autorizada providenciou, em cortesia, a reposição do componente. A Nissan, após ver o relato do episódio publicado na edição de julho, manifestou-se oficialmente. Em comunicado, a empresa disse: “Por uma questão de definição de projeto, o NissanVersa não conta com filtro de cabine”.Após o desmonte, na concessionária Itavema, o atendente do balcão de peças viu o filtro de cabine do nosso Versa e disse: “Não é de nenhum Nissan”. Consultamos, então, a Filtros Brasil, fabricante de filtros de reposição. “Uma vez que a concessionária disse que o filtro encontrado no nosso Versa não pertence a nenhum Nissan, é possível concluir que se trata de um produto do mercado paralelo. Ou então fizeram uma adptação.
Aprovado, mas com restrições, o Versa mostrou que precisa passar por um processo de retenção de falhas técnicas e de serviço. É bom que a Nissan se mostre mais atenta aos filtros de qualidade. E que essa preocupação seja estendida à rede.
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